domingo, 4 de novembro de 2012

Variação linguística - música "Chico Mineiro" de Tonico e Francisco Ribeiro


Na música também encontramos exemplos que demonstram as variações linguísticas. "Chico Mineiro" é uma música que remete ao modo de vida do homem do sertão, chamado de "caipira". Às vezes, essa expressão vêm carregada de preconceito, mas na verdade tal personagem é aquele que conserva os seus laços culturais, é aquele que está ligado à terra e ao seu cultivo. Essas pessoas tem como uma de suas características um 'linguajar próprio'. Observemos atentamente a letra da canção reproduzida abaixo:


Chico Mineiro

Autores: Tonico e Francisco Ribeiro

Declamado

Cada vez que eu me alembro do amigo Chico Mineiro, das viagen que nói fazia era ele meu companheiro. Sinto uma tristeza, uma vontade de chorar, alembrando daqueles tempo que não mais hái de vortar. Apesar de eu ser patrão, eu tinha no coração o amigo Chico Mineiro, caboclo bom, decidido, na viola era delorido e era o peão dos boiadeiro. Hoje porém com tristeza recordando das proeza da nossa viagem motim, viajemo mais de dez ano, vendeno boiada e comprano, por esse rincão sem-fim. Caboclo de nada temia mas porém, chegou um dia, que Chico apartou-se de mim.

Cantado

Fizemo a úrtima viage
Foi lá pro sertão de Goiais.
Foi eu e o Chico Mineiro
também foi o capataz.
Viajemo muitos dia
pra chegar em Ouro Fino
aonde nós passemo a noite
numa festa do Divino.

A festa tava tão boa
mas antes não tivesse ido
o Chico foi baleado
por um homem desconhecido.
Larguei de comprar boiada.
Mataram meu companheiro.
Acabou o som da viola,
acabou seu Chico Mineiro.

Despoi daquela tragédia
fiquei mais aborrecido.
Não sabia da nossa amizade
porque nós dois era unido.
Quando vi seus documento
me cortou meu coração
vim sabê que o Chico Mineiro
era meu legítimo irmão




A música acima é, sem dúvida, um exemplo claro de que não temos apenas uma forma de falar. A nossa língua é viva, dinâmica e varia bastante. Essas variedades são apenas diferentes e nunca melhores e mais corretas.  É temerário cair na armadilha do que Marcos Bagno chama de preconceito linguístico*, onde certas variantes da língua possam ser discriminadas e outras privilegiadas. 

*Segue a bibliografia: 

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico - o que é e como se faz. Edições Loyola: São Paulo, 1999. 
Neste post, Maria Cristina Altman, professora titular do Departamento de Linguística da Universidade de São Paulo (CEDOCH - USP) discorre sobre os princípios fundamentais da Linguística. Dentre os vários temas interessantes abordados no vídeo ela fala da importância de Ferdinand de Saussure (1857-1913), responsável por desenhar a linguística enquanto ciência da linguagem contemporânea. O mesmo aponta para a necessidade de haver uma ciência da linguagem autônoma, bem definida, com objeto coletivo, complexa e heteróclita. Vale conferir!


http://youtu.be/ndv6mSyXbZ4

Autora (post): Fabrícia Lima

Existe um padrão linguístico uniforme?

       Esse post é baseado na leitura do texto "Padrão Linguístico Uniforme é pura ilusão" de Suellen Érica Costa da Silva*. A mesma é professora substituta de redação e língua portuguesa do Centro de Educação tecnológica de Minas Gerais - CEFET. [O link do texto está disponibilizado ao final deste post]. Tal texto levanta uma questão interessante no tocante à linguística: exite um padrão linguístico uniforme? A autora pondera que essa ilusão nasce e é difundida através da ideologia das gramáticas normativas brasileiras e por seus escritores que ainda se apegam à ilusão da “língua única”, considerando que os modelos gramaticais são infalíveis.

     A autora vai mais além e afirma que essa situação é temerária pois dá origem ao preconceito linguístico, criando o rótulo de que toda e qualquer variedade da língua associada à diferença ética, regional, de classe social que se afasta do padrão linguístico imposto pelas gramáticas normativas é “feia”, “errada”, “corrompida”. Ao ensinar somente gramática normativa, a escola tenta destruir a essência de toda e qualquer língua: a sua capacidade de mudança, variação, modificação no tempo, no espaço e de acordo com a situação comunicativa.

      Portanto, o bom senso clama para a importância de propiciar um ensino de língua que mostre aos educando que nossa língua é viva, dinâmica.

      No vídeo abaixo, Claudio Bazzoni aponta que a norma culta é considerada norma padrão, mas isso não pode ser motivo para que o professor discrimine os alunos em função da sua fala:



http://youtu.be/em2EXTcSyAY

Ainda sobre tal tema, servem de ilustração os poemas seguir:

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Aula de português

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, equipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.

                            
                               (Carlos Drummond de Andrade)

          Neste poema, Drummond aborda a diferença entre a língua falada com tranquilidade pelos alunos e a língua ensinada e normatizada nas escolas. O poeta dá testemunho de sua pertubação diante do “mistério” da língua escrita, expressando muito bem o que os alunos sentem e a dúvida que os devora quando partem para o estudo da gramática.
          Algo tão agradável e belo que é a fala acaba por tornar-se um vilão na vida dos alunos. Sabemos que o reino das palavras é farto. Elas brotam de nosso pensamento de maneira natural, as palavras, contudo, podem ultrapassar seus limites de significação. Podendo, assim, conquistar novos espaços e passar novas possibilidades de perceber a realidade.


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Antigamente 

Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. 


                           (Carlos Drummond de Andrade)

       Ainda sobre as variações linguísticas, neste fragmento de texto Drummond conseguiu tirar uma foto linguística da época em que escreveu. Assim como olhamos um retrato antigo e reconhecemos certas coisas, outras, já nos parecem estranhas, e/ou 'engraçadas' e/ou até mesmo desconhecidas. O texto nos aproxima do que ainda é falado e nos dá uma idéia do que era e já não o é mais ou no que se transformou em algo novo.
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 Pronominais

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

                    (Oswald de Andrade)

       O poema Pronominais de Oswald de Andrade retrata um pouco da diversidade do uso da língua em função da situação comunicativa. O texto fala sobre a linguagem culta (dicionário) "gramática" e a linguagem coloquial (cotidiano). Ele faz uma referência, que existem dentro da língua portuguesa, maneiras distintas para expressar uma mesma idéia e não existe uma maneira certa ou errada para se expressar.
   O texto ainda coloca em discussão o padrão culto da língua portuguesa normatizado pela gramática (‘Dê-me um cigarro...’) e o modo como a língua é usada no dia-a-dia pelos falantes do português brasileiro (‘Me dá um cigarro’) A partir dessa concepção, podemos afirmar que a língua aceita variações usada pelos falantes ou escritores conforme a situação de comunicação. Devemos lembrar que as línguas não são estáticas e nem inalteráveis. A todo o momento, as pessoas criam palavras, frases e formas de expressões diferentes daquelas que são consideradas padrão. O poema "Pronominais", no entanto, resgata a fala popular ao dizer que "o bom negro e o bom branco", ou seja, todos, "Da Nação Brasileira / Dizem todos os dias / Deixa disso camarada / Me dá um cigarro". Dessa forma, ele subverte a linguagem culta até então retratada na literatura por uma linguagem mais real do povo brasileiro, sem distinção. Ou seja, ele defende a linguagem popular, ao invés da culta.
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Vício na fala 

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.

                                               (Oswald de Andrade)

     Nos versos de “Vício na fala” o eu-lírico vale-se duma linguagem simples (sem os adornos, por exemplo, da poesia parnasiana), um poema que versa sobre as relações sociais que permeavam e até hoje ainda permeiam o Brasil.
     Em seis versos ágeis, o poeta conseguiu falar das diferenças que se dão na língua portuguesa falada no Brasil, por meio de uso de vocábulos ignorados nos movimentos poéticos anteriores. Ademais, introjetou elementos do cotidiano em sua poesia e de maneira sucinta, soube mostrar as diferenças que se dão, pelo meio do idioma.
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Autora (post): Fabrícia Lima


Apresentaremos na íntegra, um interessante texto no tocante às variações linguísticas, onde Alfredina Nery tece considerações sobre o modo de falar dos brasileiros. Trata-se de um especial para a Página 3 Pedagogia e Comunicação. A autora é professora universitária, consultora pedagógica e docente de cursos de formação continuada para professores na área de língua/linguagem/leitura.
Variações Linguísticas: o modo de falar do brasileiro
Toda língua possui variações linguísticas. Elas podem ser entendidas por meio de sua história no tempo (variação histórica) e no espaço (variação regional). As variações linguísticas podem ser compreendidas a partir de três diferentes fenômenos.
1) Em sociedades complexas convivem variedades linguísticas diferentes, usadas por diferentes grupos sociais, com diferentes acessos à educação formal; note que as diferenças tendem a ser maiores na língua falada que na língua escrita;
2) Pessoas de mesmo grupo social expressam-se com falas diferentes de acordo com as diferentes situações de uso, sejam situações formais, informais ou de outro tipo;
3) Há falares específicos para grupos específicos, como profissionais de uma mesma área (médicos, policiais, profissionais de informática, metalúrgicos, alfaiates, por exemplo), jovens, grupos marginalizados e outros. São as gírias e jargões.
Assim, além do português padrão, há outras variedades de usos da língua cujos traços mais comuns podem ser evidenciados abaixo.
Uso de “r” pelo “l” em final de sílaba e nos grupos consonantais: pranta/planta; broco/bloco.
Alternância de “lh” e “i”: muié/mulher; véio/velho.
Tendência a tornar paroxítonas as palavras proparoxítonas: arve/árvore; figo/fígado.
Tendência a tornar paroxítonas as palavras proparoxítonas: arve/árvore; figo/fígado. Redução dos ditongos: caxa/caixa; pexe/peixe.
Simplificação da concordância: as menina/as meninas.
Ausência de concordância verbal quando o sujeito vem depois do verbo: “Chegou” duas moças.
Uso do pronome pessoal tônico em função de objeto (e não só de sujeito): Nós pegamos “ele” na hora.
Assimilação do “ndo” em “no”( falano/falando) ou do “mb” em “m” (tamém/também).
Desnasalização das vogais postônicas: home/homem.
Desnasalização das vogais postônicas: home/homem. Redução do “e” ou “o” átonos: ovu/ovo; bebi/bebe.
Redução do “r” do infinitivo ou de substantivos em “or”: amá/amar; amô/amor.
Simplificação da conjugação verbal: eu amo, você ama, nós ama, eles ama.
Variações regionais: os sotaques
Se você fizer um levantamento dos nomes que as pessoas usam para a palavra "diabo", talvez se surpreenda. Muita gente não gosta de falar tal palavra, pois acreditam que há o perigo de evocá-lo, isto é, de que o demônio apareça. Alguns desses nomes aparecem em o "Grande Sertão: Veredas", Guimarães Rosa, que traz uma linguagem muito característica do sertão centro-oeste do Brasil:


Demo, Demônio, Que-Diga, Capiroto, Satanazim, Diabo, Cujo, Tinhoso, Maligno, Tal, Arrenegado, Cão, Cramunhão, O Indivíduo, O Galhardo, O pé-de-pato, O Sujo, O Homem, O Tisnado, O Coxo, O Temba, O Azarape, O Coisa-ruim, O Mafarro, O Pé-preto, O Canho, O Duba-dubá, O Rapaz, O Tristonho, O Não-sei-que-diga, O Que-nunca-se-ri, O sem gracejos, Pai do Mal, Terdeiro, Quem que não existe, O Solto-Ele, O Ele, Carfano, Rabudo.


Drummond de Andrade, grande escritor brasileiro, que elabora seu texto a partir de uma variação linguística relacionada ao vocabulário usado em uma determinada época no Brasil.

Antigamente
"Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio."

Como escreveríamos o texto acima em um português de hoje, do século 21? Toda língua muda com o tempo. Basta lembrarmos que do latim, já transformado, veio o português, que, por sua vez, hoje é muito diferente daquele que era usado na época medieval.
Língua e status
Nem todas as variações linguísticas têm o mesmo prestígio social no Brasil. Basta lembrar de algumas variações usadas por pessoas de determinadas classes sociais ou regiões, para perceber que há preconceito em relação a elas.
Veja este texto de Patativa do Assaré, um grande poeta popular nordestino, que fala do assunto:

O Poeta da Roça
Sou fio das mata, canto da mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de paia de mío.

Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argun menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.
Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastero, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.
(...)

Você acredita que a forma de falar e de escrever comprometeu a emoção transmitida por essa poesia? Patativa do Assaré era analfabeto (sua filha é quem escrevia o que ele ditava), mas sua obra atravessou o oceano e se tornou conhecida mesmo na Europa.
Leia agora, um poema de um intelectual e poeta brasileiro, Oswald de Andrade, que, já em 1922, enfatizou a busca por uma "língua brasileira".

Vício na fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.

Uma certa tradição cultural nega a existência de determinadas variedades linguísticas dentro do país, o que acaba por rejeitar algumas manifestações linguísticas por considerá-las deficiências do usuário. Nesse sentido, vários mitos são construídos, a partir do preconceito linguístico.