domingo, 4 de novembro de 2012

Existe um padrão linguístico uniforme?

       Esse post é baseado na leitura do texto "Padrão Linguístico Uniforme é pura ilusão" de Suellen Érica Costa da Silva*. A mesma é professora substituta de redação e língua portuguesa do Centro de Educação tecnológica de Minas Gerais - CEFET. [O link do texto está disponibilizado ao final deste post]. Tal texto levanta uma questão interessante no tocante à linguística: exite um padrão linguístico uniforme? A autora pondera que essa ilusão nasce e é difundida através da ideologia das gramáticas normativas brasileiras e por seus escritores que ainda se apegam à ilusão da “língua única”, considerando que os modelos gramaticais são infalíveis.

     A autora vai mais além e afirma que essa situação é temerária pois dá origem ao preconceito linguístico, criando o rótulo de que toda e qualquer variedade da língua associada à diferença ética, regional, de classe social que se afasta do padrão linguístico imposto pelas gramáticas normativas é “feia”, “errada”, “corrompida”. Ao ensinar somente gramática normativa, a escola tenta destruir a essência de toda e qualquer língua: a sua capacidade de mudança, variação, modificação no tempo, no espaço e de acordo com a situação comunicativa.

      Portanto, o bom senso clama para a importância de propiciar um ensino de língua que mostre aos educando que nossa língua é viva, dinâmica.

      No vídeo abaixo, Claudio Bazzoni aponta que a norma culta é considerada norma padrão, mas isso não pode ser motivo para que o professor discrimine os alunos em função da sua fala:



http://youtu.be/em2EXTcSyAY

Ainda sobre tal tema, servem de ilustração os poemas seguir:

----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Aula de português

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, equipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.

                            
                               (Carlos Drummond de Andrade)

          Neste poema, Drummond aborda a diferença entre a língua falada com tranquilidade pelos alunos e a língua ensinada e normatizada nas escolas. O poeta dá testemunho de sua pertubação diante do “mistério” da língua escrita, expressando muito bem o que os alunos sentem e a dúvida que os devora quando partem para o estudo da gramática.
          Algo tão agradável e belo que é a fala acaba por tornar-se um vilão na vida dos alunos. Sabemos que o reino das palavras é farto. Elas brotam de nosso pensamento de maneira natural, as palavras, contudo, podem ultrapassar seus limites de significação. Podendo, assim, conquistar novos espaços e passar novas possibilidades de perceber a realidade.


-----------------------------------------------------------------
Antigamente 

Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. 


                           (Carlos Drummond de Andrade)

       Ainda sobre as variações linguísticas, neste fragmento de texto Drummond conseguiu tirar uma foto linguística da época em que escreveu. Assim como olhamos um retrato antigo e reconhecemos certas coisas, outras, já nos parecem estranhas, e/ou 'engraçadas' e/ou até mesmo desconhecidas. O texto nos aproxima do que ainda é falado e nos dá uma idéia do que era e já não o é mais ou no que se transformou em algo novo.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
 Pronominais

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

                    (Oswald de Andrade)

       O poema Pronominais de Oswald de Andrade retrata um pouco da diversidade do uso da língua em função da situação comunicativa. O texto fala sobre a linguagem culta (dicionário) "gramática" e a linguagem coloquial (cotidiano). Ele faz uma referência, que existem dentro da língua portuguesa, maneiras distintas para expressar uma mesma idéia e não existe uma maneira certa ou errada para se expressar.
   O texto ainda coloca em discussão o padrão culto da língua portuguesa normatizado pela gramática (‘Dê-me um cigarro...’) e o modo como a língua é usada no dia-a-dia pelos falantes do português brasileiro (‘Me dá um cigarro’) A partir dessa concepção, podemos afirmar que a língua aceita variações usada pelos falantes ou escritores conforme a situação de comunicação. Devemos lembrar que as línguas não são estáticas e nem inalteráveis. A todo o momento, as pessoas criam palavras, frases e formas de expressões diferentes daquelas que são consideradas padrão. O poema "Pronominais", no entanto, resgata a fala popular ao dizer que "o bom negro e o bom branco", ou seja, todos, "Da Nação Brasileira / Dizem todos os dias / Deixa disso camarada / Me dá um cigarro". Dessa forma, ele subverte a linguagem culta até então retratada na literatura por uma linguagem mais real do povo brasileiro, sem distinção. Ou seja, ele defende a linguagem popular, ao invés da culta.
------------------------------------------------------------------------
Vício na fala 

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.

                                               (Oswald de Andrade)

     Nos versos de “Vício na fala” o eu-lírico vale-se duma linguagem simples (sem os adornos, por exemplo, da poesia parnasiana), um poema que versa sobre as relações sociais que permeavam e até hoje ainda permeiam o Brasil.
     Em seis versos ágeis, o poeta conseguiu falar das diferenças que se dão na língua portuguesa falada no Brasil, por meio de uso de vocábulos ignorados nos movimentos poéticos anteriores. Ademais, introjetou elementos do cotidiano em sua poesia e de maneira sucinta, soube mostrar as diferenças que se dão, pelo meio do idioma.
------------------------------------------------------------------------
Autora (post): Fabrícia Lima

Nenhum comentário:

Postar um comentário